O caminho para a sistematização de experiências: por onde começar?

Publicado em: 21 de maio de 2023 Categorias: Destaque

Educador popular Ésio Francisco Salvetti dá dicas e fala sobre a importância do processo de sistematização de experiências

Como vimos no texto anterior, a sistematização de experiências realizada pelos movimentos sociais e organizações populares não é simplesmente um relato ou uma publicação. Trata-se de um processo de reflexão crítica de uma experiência concreta, que tem o propósito de provocar processos de aprendizagem. Essa reflexão pode ser entendida como um processo metodológico que se baseia na ideia de “organizar” ou de “ordenar” um conjunto de elementos (práticas, conhecimentos, ideias, dados, entre outros) que até o momento estavam dispersos e desordenados. 

Mas, por onde começar? Para auxiliar na compreensão acerca do processo de sistematização, especialmente por aqueles movimentos e organizações que ainda não utilizam dessa técnica, conversamos com o educador popular Ésio Francisco Salvetti, doutor em Filosofia pela Università Degli Studi di Padova (Itália) e associado do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP). Na entrevista, ele dá dicas e fala sobre a importância do processo de sistematização na constituição histórica dos movimentos e organizações.

EAB: Qual a importância do processo de sistematização das experiências para os movimentos sociais e as organizações populares?

ÉSIO: É comum as organizações/movimentos sociais populares atuarem em muitas frentes e projetos, mas

Educador popular Ésio Francisco Salvetti dá dicas sobre o processo de sistematização de experiências

infelizmente não é tão comum a prática da sistematização destas experiências. Porém, os ganhos com essa prática são inúmeros. Pode-se afirmar que a Sistematização permite a produção de novos conhecimentos extraídos das experiências vividas mas, transcende a experiência quando vai além das condições particulares daquela experiência propriamente sistematizada. 

A sistematização contribui essencialmente para identificar as tensões entre o projeto da ação e o processo vivido. Nossas experiências são geralmente parte de um programa institucional determinado por um projeto que tem metas, objetivos, resultados esperados e etc. que geram processos. Ocorre que o processo é vivo e dinâmico, nele intervêm fatores objetivos e subjetivos. É exatamente aqui que a Sistematização da experiência tem sua importância significativa, pois ela é capaz de reconstruir o trajeto real que seguiu o processo tal como ocorreu (não apenas o que o projeto previa); Também é capaz de identificar os fatores que intervieram e que forçaram as mudanças do previsto; Cria as condições para mostrar as mudanças que foram realizadas no processo; e principalmente, por que aconteceu desta maneira. Mas fundamentalmente, a Sistematização de Experiências traz à luz as razões e os sentidos das mudanças e das decisões tomadas, além das implicações das decisões tomadas no meio do caminho.

É nessa identificação da tensão entre o planejado e o processo propriamente vivido que a sistematização de experiência possibilita construir um conhecimento capaz de enriquecer as práticas dos movimentos/organizações sociais e populares porque identifica e formula as lições apreendidas. 

EAB: Para os movimentos que ainda não sistematizam suas práticas, por onde começar?

ÉSIO: A sistematização de experiência não se reduz a documentação do ocorrido ao longo de uma experiência. No entanto, para os movimentos que não tem a cultura da sistematização das suas experiências é muito importante que comecem com o simples e básico ato de registrar e documentar suas ações. O “sucesso” de uma sistematização começa com uma experiência bem documentada e registrada. Não se trata da organização apenas arquivar o projeto daquela determinada ação, é fundamental que se vá além disso: que se fotografe momentos que ache importante, ou que grave um diálogo que parece interessante, ou que filme um acontecimento em que participa, sempre com determinado enfoque ou intenção. Esses são materiais importantes e básicos para posteriormente, se a organização decidir pela prática da sistematização da experiência, poder fazer um bom trabalho. 

EAB: Quais são as principais etapas da sistematização e o que deve ser levado em conta em cada uma delas?

ÉSIO: A Sistematização de Experiência não pode ser reduzida a um método. No entanto, possui um método, ou seja, etapas que precisam ser seguidas. A primeira etapa para que ocorra a sistematização é a escolha da experiência vivida. No momento que o movimento/organização popular escolhe a experiência que será sistematizada deve se perguntar o porquê realizar a sistematização. A segunda etapa é a formulação do plano de sistematização. Aqui, fundamentalmente, se deve encontrar o eixo da sistematização. A pergunta que a organização deve fazer para a construção do eixo da sistematização é: "Qual o aspecto central que mais nos interessa com essa sistematização?". A terceira etapa é a recuperação do processo vivido. Aqui é o momento de ordenar e classificar as informações obtidas tanto dos documentos, fotos, vídeos como das entrevistas. A quarta etapa é o momento da reflexão crítica, da interpretação das informações classificadas no processo de sistematização. Por fim, é o momento de formular conclusões e, a partir delas, elencar recomendações e propostas. 

EAB: As práticas e experiências sistematizadas pelas organizações e movimentos sociais têm sido fonte de conhecimento e contribuem com as discussões no campo da Educação Popular. Qual a importância desses processos na constituição histórica dos movimentos?

ÉSIO: A Sistematização de Experiências nos processos de constituição dos movimentos sociais populares passou a significar um instrumento privilegiado pela capacidade de questionar e de busca alternativa aos métodos ortodoxos, academicistas, em geral positivistas que sempre dominaram o campo da investigação e da avaliação educacional. Nesse sentido, entende-se que a prática da Sistematização das Experiências, realizadas pelos movimentos e organizações sociais populares proporcionou uma quebra de paradigmas. A sistematização de experiência é produto de uma reflexão coletiva e individual realizada em encontros que se transformaram em uma nova modalidade de produção de conhecimento: as reflexões provenientes não de teorias ou de parâmetros predefinidos, mas surgidas do encontro entre seus protagonistas, proporcionam um olhar crítico às experiências vivas, reais e em construção das quais participam. Tem-se assim, uma nova vinculação entre a teoria e a prática: em lugar de aplicar na prática o que se tinha formulado previamente na teoria, são construídas aproximações teóricas tendo como ponto de partida a sistematização das práticas educativas. 

Todo movimento social popular quer ser, em alguma medida, revolucionário, transformador. A Sistematização das Experiências tem essa força transformadora, na medida que oferece e constrói caminhos para se refletir sobre o vivido. 

Com o objetivo de contribuir para que os movimentos sociais e as organizações populares documentem suas experiências e, a partir delas, construam novos saberes, a EAB oferece serviços diferenciados para auxiliar na elaboração dos materiais. A Editora oferece suporte em todas as etapas do processo, desde a sugestão de métodos adequados para cada momento até a edição e publicação, ofertando, inclusive, a possibilidade de impressão em baixa tiragem.

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